sábado, 29 de janeiro de 2011

POEMA "THE RAVEN"

Foi a 29 de Janeiro do ano de 1845, que pela primeira vez teve honras de publicação no jornal New York Evening Mirror, o poema do escritor e poeta norte-americano Edgar Allan Poe, "The Raven". Com tradução do poeta Fernando Pessoa para a língua portuguesa, "The Raven" ou "O Corvo", passados que são cento e sessenta e seis anos da sua primeira publicação no jornal americano, agora com honras no Poet'anarquista.
Poet'anarquista
Edgar Allan Poe
Escritor e Poeta Norte-Americano
BIOGRAFIA

Poeta e contista estadunidense nascido em Boston, Massachusetts, conhecido sobretudo pelas suas histórias de mistério e horror. Filho de um casal de actores, ficou órfão aos dois anos e foi adoptado por John Allan, rico comerciante de Richmond, Virgínia. Enviado à Europa, recebeu esmerada educação clássica (1815-1820) na Escócia e Inglaterra. Em seguida frequentou a Universidade da Virgínia, porém envolveu-se com jogo e álcool, até que rompeu relações com o seu tutor (1827). 

No mesmo ano publicou, em Boston, o seu primeiro livro de poesia, Tamerlane, and Other Poems (1827). Tentou a carreira militar mas foi expulso da Academia Militar de West Point e, então, decidiu dedicar-se por completo à literatura e começou a publicar contos em revistas (1830), e foi morar em Baltimore com uma tia. Recebeu um prémio em dinheiro pelo seu Manuscript Found in a Bottle (1833). Tornou-se editor literário do Southern Literary Messenger, de Richmond (1835), e no mesmo ano casou-se com a prima Virginia Clemm, de apenas 13 anos de idade. 

Os seus problemas alcoólicos levaram-no à demissão e mudou-se para Nova York, onde passou a escrever freneticamente livros e contos para revistas, especialmente com temas que abordavam a morte, o horror sobrenatural e os desvarios da mente humana, possivelmente inspirados nos próprios tormentos do autor. Por outro lado, possuía grande capacidade analítica, e escreveu contos que assentaram as bases do género policial e de mistério que se difundiu no século XX. Também deixou textos nos campos da estética, da crítica e teoria literária. 

Apesar da popularidade, os seus vícios e escândalos fizeram com que fosse incompreendido pelos seus compatriotas. Foram os simbolistas franceses e, em particular Charles Baudelaire, que lhe reconheceram o génio, cuja obra constituiu uma fonte de inspiração directa para a renovação literária europeia no final do século XIX. 

Com a morte da esposa (1847), a sua dependência alcoólica agravou-se e após vários dias de excessos alcoólicos, morreu em Baltimore, Maryland. 

Outros grandes sucessos do autor foram Al Aaraaf, Tamerlane, and Minor Poems (1829), Poems (1831), The Narrative of Arthur Gordon Pym (1838), Tales of the Grotesque and Arabesque (1839), The Prose Romances of Edgar A. Poe (1843), The Raven and Other Poems (1845), Tales (1845), Philosophy of Composition (1845) e o póstomo The Poetic Principle (1850).
Fonte: NetSaber
Edgar Allan Poe - «The Raven»
Desenho por Mirror Cradlle


Edgar Allan Poe

Tradução de Fernando Pessoa
O CORVO

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isso e nada mais."

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome que jamais !

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais !
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isso e nada mais".

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franquendo-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isto só e nada mais.

Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, àquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraia pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "Mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá das trevas infernais."
Disse-me o corvo, "Nunca mais".

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos lá se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais.
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais
Com aquele "Nunca mais".

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onda a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-me então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demónio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha dor de um demónio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais,
E a minh'alma dessa sobra, que no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!

Edgar Allan Poe

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