sexta-feira, 22 de junho de 2012

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...
(Escolha musical da blogosfera)

SÉRGIO GODINHO - «Namoro»

Poet'anarquista


NAMORO

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com letra bonita eu disse, ela tinha
um sorriso luminoso tão triste e gaiato
como o sol de Novembro brincando de artista
nas acácias floridas, na fímbria do mar.

Sua pele macia era sumaúma
sua pele macia, cheirando a rosas
seus seios laranja, laranja do Loge
eu mandei-lhe essa carta
e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou
“por ti sofre o meu coração”
num canto “sim”, noutro canto “não”
e ela o canto do “não” dobrou.

Mandei-lhe um recado pela Zefa do sete
pedindo e rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Sta. Efigénia
me desse a ventura do seu namoro
e ela disse que não.

Mandei à Vó Xica, quimbanda de fama,
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço bem forte e seguro
e dele nascesse um amor como o meu
e o feitiço falhou.

Andei barbado, sujo e descalço
como um monangamba procuraram por mim,
não viu?, ai não viu?, não viu o Benjamim?
e perdido me deram no morro do Samba.

Para me distrair levaram-me ao baile
do Sr. Januário, mas ela lá estava
num canto a rir, contando o meu caso
às moças mais lindas do bairro operário.

Tocaram a rumba e dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu
e a malta gritou: “Aí Benjamim!”.

Olhei-a nos olhos, sorriu para mim
pedi-lhe um beijo, la la la la
e ela disse que sim
e ela disse que sim.

Sérgio Godinho

1 comentário:

Anónimo disse...

O meu amigo andava triste!
E eu era o único que conhecia o motivo daquela tristeza.
Eu, e a Franciska ( não é gralha.... é assim mesmo.... Franciska com kapa).
Uma estória de amores e desamores!
O meu amigo era mestiço. Era um mulato que rondava o metro e oitenta de altura, peso a condizer, olhos grandes, e uma carapinha que deixava as miúdas do Bairro da Samba com a cabeça à roda. Não conheci menhuma que não olhasse para ele sem segundas intenções. Em seu redor havia sempre uma mulher que o olhava com ares atrevidos. Das três cores do selo de povoamento: Pretas, brancas e mestiças. E eu, branco deslavado, sem cheiro que se cheirasse, aproveitei a aura dele e andei de merengue em merengue, de rebita em rebita.... meses a fio.... ali pelas praias do Bispo e da Corimba, aproveitando também da companhia das suas admiradoras.

Até que apareceu a Franciska. Vinha do outro lado da cidade. Do Bairro Operário, o maior musseque de Luanda. Vinha para merengar, para rebitar até de madrugada, em companhia de um grupo de amigas luandinas.
Convém apresentá-la melhor para se entender que a paixão avassaladora do meu amigo não era apenas sentimento, eram também sentidos. Aqueles sentidos que ele tinha sempre latentes.
« Era uma negra alta, não tão alta como o meu amigo, mas quase. Queixo erguido. Trazia o cabelo penteado em finas tranças, filigrana pura, presas à cabeça por invisíveis ganchos e pequeníssimas missangas a alindar.
De uma das orelhas pendia um longo brinco de tambaque que lhe tocava o ombro; na outra orelha, assim como que colada ao lóbulo, usava uma pequena estrela dourada que se destacava na sua pele muito negra. A estrela do "éme", disse-me mais tarde, quando ficámos amigos. Olhos cinzentos, muito escuros, pestanudos, nariz direito e boca de lábios grossos, sensuais. Dentes grandes e brancos, prontos a morder. Longo pescoço. Peito atrevido, arrebitado, sem precisar de soutien. Barriga fina, lisa, plana, aveludada. Pernas de tenista, musculosas, mas femininas, cobertas com uma quase invisível penugem. Pés grandes, pés de quem andou descalça durante grande parte da sua vida.»
Fim de descrição.
Ah.... convém ainda dizer que do seu guarda roupa apenas constavam mini-saias e t'shirts.
Pronto, está apresentada a mulher que deu volta à cabeça do meu amigo.
E quando se cruzaram foi como se ele não existisse. Não lhe ligou nenhuma.
Ele rogou a atenção dela; E ela olhou para o outro lado.
Pediu a um amigo para tipografar um cartão em que lhe pedia namoro: num canto sim, noutro canto não; O cartão foi devolvido com o canto não dobrado.
Nem a avó Chica, famosa kimbandeira, ao consultar os búzios e as estrelas, acertou num feitiço capaz.
Desesperado, andou perdido - de amores, cucas e alguma liamba, acho eu - ali pelos morros da Samba.
Até que o levámos ao baile do Sr. Januário, no Bairro Operário, musseque de moças bonitas, como é sabido.
E num salto maluco atravessou a sala com a Franciska nos braços, e a malta gritou « Aí Benjamim! »

Mas essa parte já todos conhecemos. O Ségio encarregou-se de nos contar isso muito bem.

- Este comentário é uma homenagem à memória de Viriato da Cruz. Foi ele o autor do "namoro" que o Sérgio tão bem musicou. O Viriato foi militante do "émepélá". Não o MPLA que hoje governa Angola. Do outro, aquele "émepélá" por quem a Franciska ostentava a estrelinha dourada no lóbulo da orelha.

Seguem também os agradecimentos ao Poet'anarquista pela paciência.

Orson W. Calabrese