quinta-feira, 28 de agosto de 2014

OUTROS CONTOS

«De Quanta Terra Precisa o Homem?», por Liev Tolstói.

«De Quanta Terra Precisa o Homem»
Povoado do séc. I a.C./ Rocha da Mina

250- «DE QUANTA TERRA PRECISA O HOMEM?»
[Trecho]

A irmã mais velha foi visitar a irmã mais nova. A mais velha morava na cidade e era casada com um próspero comerciante; a mais nova morava numa aldeia e era casada com um camponês.

As irmãs sentaram-se para tomar chá e conversar. A mais velha começou a se gabar das vantagens de viver na cidade, do conforto e da boa vida que levava em sua casa, de que era possível vestir-se bem e às crianças, comer e beber sem medida, passear, ir a festas, assistir a espectáculos de teatro, e tantos outros entretenimentos.

A irmã mais nova, sentindo-se ofendida, começou a criticar a vida na cidade e defender a vida no campo.

- Eu não trocaria a minha vida pela sua por nada - disse ela. - Vivemos humildemente, mas pelo menos não vivemos com medo. Sua vida pode ser melhor que a nossa, podem ganhar muito dinheiro, mas também podem perder tudo. Lembra o ditado: "Lucrar e perder são irmãos gémeos". Hoje, você está rica e, amanhã, está pedindo esmolas.

E continuou:

- A vida no campo é mais segura. Não vamos ficar ricos, mas tiramos da terra o suficiente para não passarmos fome.

A irmã mais velha deu o troco:

- O suficiente para não passar fome? Claro! Se dividem o alimento com as vacas, os porcos e as galinhas. O que sabem vocês de moda e elegância? Por mais que seu marido trabalhe, vão viver e morrer no meio do esterco. E assim vão continuar os seus filhos.

- E o que você tem com isso? - retrucou a mais nova. - Sabemos que a nossa vida é rude. Porém é segura, e não precisamos reverenciar ninguém. Vocês vivem cercados de tentações. Hoje pode estar tudo bem, mas amanhã o diabo pode tentar o seu marido com cartas e vinho, e todo esse encanto de que você se pavoneia estará arruinado.

Pahkóm, o dono da casa, estava sentado perto da lareira e ouvia as duas irmãs tagarelarem.

"É a pura verdade", pensou ele. "Desde a infância ocupado com a terra, um caipira como eu não tem tempo de encher a cabeça com bobagens. Nossa única preocupação é a falta de terra. Se eu tivesse muita terra, não temeria nem mesmo o próprio diabo."

As irmãs terminaram de beber o chá, conversaram um pouco sobre vestidos, arrumaram a mesa e foram dormir.

Mas o diabo, escondido atrás da lareira, tinha ouvido toda a conversa e ficara muito contente que a esposa de Pahkóm conseguisse provocar o marido a ponto de ele, com despeito, se vangloriar de que, se tivesse muita terra, não temeria nem mesmo o próprio diabo.

"Muito bem! Então vamos medir forças. Vou dar o que ele pede e, assim, ele vai ficar em minhas mãos", pensou o diabo.

Próximo da aldeia, morava uma mulher, dona de uma propriedade de quase cento e cinquenta hectares. Ela vivia em paz com os vizinhos da aldeia até o dia em que contratou um velho soldado aposentado para cobrar multas dos camponeses. Por mais cuidadoso que Pahkóm fosse, vez ou outra um de seus cavalos escapava e invadia a plantação de aveia da mulher, ou uma vaca pisoteava seu jardim, ou seus bezerros adentravam suas pradarias. Tudo isso resultava em pesadas multas.

Pahkóm pagava as multas remoendo o incidente.

Naquele verão ele teve um grande prejuízo com as invasões e muitas discussões com o cobrador impiedoso.

Com a chegada do inverno, Pahkóm ficou mais animado, pois nessa estação os animais permaneciam recolhidos ao estábulo. Ele resmungava um pouco por gastar mais com ração, e descontava a raiva nas pessoas de sua família.

Certo dia, correu a notícia de que a mulher estava negociando suas terras com um latifundiário da região. Os camponeses ficaram alarmados, pois pensavam que o latifundiário poderia arruiná-los com multas piores que as da mulher. A sobrevivência deles dependia daquela propriedade.

Os camponeses decidiram visitar a mulher em nome da comunidade e pediram a ela que não vendesse as terras ao latifundiário, argumentando que eles ofereceriam um preço melhor.

Ela aceitou a proposta. Os camponeses tentaram arrumar um jeito para que a comunidade comprasse toda a propriedade e a administrasse. Mas, em duas sessões, não conseguiram chegar a um acordo. O diabo, infiltrado nas reuniões, não fez outra coisa a não ser semear a discórdia.

Os camponeses decidiram, então, comprar a terra individualmente, quer dizer, de acordo com as possibilidades de cada um. A mulher considerou a soma total e concordou com o negócio.

Pahkóm ouviu, então, que seu vizinho comprara cinquenta hectares e a mulher aceitara receber metade do pagamento parcelada no prazo de um ano. Sentiu inveja e disse à esposa:

- Olhe para isso! Todos já estão comprando terras. Nós também precisamos comprar no mínimo uns vinte hectares. Não podemos esperar ser esmagados pelas multas.

Começaram a fazer contas e pensar numa forma de comprar as terras que desejavam.

Somaram cem rublos. Venderam um potro, metade do apiário, puseram um dos filhos para trabalhar recebendo o salário adiantado. Pahkóm pediu parte do dinheiro emprestada ao cunhado e, dessa forma, reuniram metade da quantia necessária.

Pahkóm escolheu um lote de quarenta hectares, que incluía um pequeno bosque, e partiu para negociar com a mulher.

Chegaram a um acordo e, em seguida, foram até a cidade para assinar o contrato de compra. Ele pagou a metade em dinheiro e comprometeu-se a pagar o restante em dois anos.

Agora, Pahkóm já tinha a terra que queria. Conseguiu sementes e cultivou a terra que havia comprado. A colheita foi boa, e em um ano ele saldou a dívida que tinha com a mulher e com o cunhado.

Pahkóm tornou-se um proprietário aplicado - arava e semeava a terra, cortava árvores quando precisava, fez boa reserva de forragem para alimentar o gado. Quando saía pelo campo para observar o trigo que crescia nas suas pradarias, seu coração pulava de alegria. Ervas e flores cultivadas ali pareciam-lhe diferentes das de qualquer outro lugar.
[...]

Liev Tolstói

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