quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

OUTROS CONTOS

«O Sal e a Água», por Teófilo de Braga.

«O Sal e a Água»
Mar Morto, Israel

741- «O SAL E A ÁGUA»

Um rei tinha três filhas; perguntou a cada uma delas, por sua vez, qual era a mais sua
amiga. A mais velha respondeu:

– Quero mais a meu pai do que à luz do Sol.

Respondeu a do meio:

– Gosto mais de meu pai do que de mim mesma.

A mais moça respondeu:

– Quero-lhe tanto como a comida quer o sal.

O rei entendeu por isto que a filha mais nova o não amava tanto como as outras e pô-la
fora do palácio. Ela foi muito triste por esse mundo e chegou ao palácio de um rei e aí se
ofereceu para ser cozinheira. Um dia, veio à mesa um pastel muito bem feito, e o rei, ao parti-
-lo, achou dentro um anel muito pequeno e de grande preço. Perguntou a todas as damas da
corte de quem seria aquele anel. Todas quiseram ver se o anel lhes servia: foi passando, até
que foi chamada a cozinheira e só a ela é que o anel servia. O príncipe viu isto e ficou logo
apaixonado por ela, pensando que era de família de nobreza.

O príncipe começou então a espreitá-la, porque ela só cozinhava às escondidas, e viu-
-a vestida com trajos de princesa. Foi chamar o rei seu pai e ambos viram o caso. O rei deu
licença ao filho para casar com ela, mas a menina tirou por condição5 que queria cozinhar
pela sua mão o jantar do dia da boda. Para as festas de noivado, convidou-se o rei que tinha
três filhas e que pusera fora de casa a mais nova. A princesa cozinhou o jantar, mas nos
manjares que haviam de ser postos ao rei seu pai não botou8 sal de propósito. Todos
comiam com vontade, mas só o rei convidado é que não comia. Por fim, perguntou-lhe o dono
da casa porque é que o rei não comia. Respondeu ele, não sabendo que assistia ao
casamento da filha:

– É porque a comida não tem sal.

O pai do noivo fingiu-se raivoso e mandou que a cozinheira viesse ali dizer porque é que
não tinha botado sal na comida. Veio então a menina vestida de princesa, mas, assim que
o pai a viu, conheceu-a logo e confessou ali a sua culpa, por não ter percebido quanto era
amado por sua filha, que lhe tinha dito que lhe queria tanto como a comida quer o sal e que,
depois de sofrer tanto, nunca se queixara da injustiça de seu pai.

Teófilo Braga

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