quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

OUTROS CONTOS

«Coro de Escárnio e Lamentação dos Cornudos em Volta de S. Pedro», conto poético por Luiz Pacheco.
«Coro de Escárnio e Lamentação 
dos Cornudos em Volta de S. Pedro»
Conto Poético por Luiz Pacheco

947- «CORO DE ESCÁRNIO E LAMENTAÇÃO DOS CORNUDOS 
EM VOLTA DE S. PEDRO»

(Coplas dedicadas às fogosas e vampirescas mulheres da Beira, de quem já Abel Botelho disse o que disse)

Monólogo do primeiro cornudo:

Acordei um triste dia
Com uns cornos bem bonitos
E perguntei à Maria
Porque me pôs os palitos
Jurou por alma da mãe
(Com mil tretas de mulher)
Que era mentira
Também, ainda me custava a crer
Fiquei de olho espevitado
Que calado é o melhor
E para não ser enganado
Redobrei gozos de amor
Tais canseiras dei ao físico
Tal ardor pus nos abraços
Que caí morto de tísico
Com o sexo em pedaços
Já esperava por isto a magana?
Já previra o que se deu?
Do Além via-a na cama
Com um tipo pior que eu
Vi-o dar ao rabo a valer
Fornicando a preceito
Sabia daquele mistério
Que puxa muito do peito
Foi a hora de me eu rir
Que a vingança tem seus quês
O mais certo é para aqui vir
Ainda antes que passe um mês
Arranjei um bom lugar
Na pensão de Mestre Pedro
Onde todos vão parar
Embora com muito medo
Não passava de uma semana
O meu dito estava escrito
Vítima daquela magana
Pobre tísico, coitadito

Dueto dos dois cornudos:

Agora já somos dois
A espreitar de cá de cima
Calados como dois bois
Vendo o que passa na vida
Meteu na cama mais gente
Um, dois, três logo a seguir
Não há piça que a contente
É tudo o que tiver de vir

São Pedro, indignado, pragueja:

É demais, arre diabo-berra S. Pedro, sandeu-
E mortos por dar ao rabo, lá vêm eles p'ró céu...
Coro, pianíssimo, lirismo nas vozes:
Quem morre como um anjinho...
Quem morre por muito amar...

Coro, agora narrativo ou explicativo:

Já formamos um ranchinho, de cá de cima a espreitar
Aparte do autor das coplas:-coitadinhos
Passam meses, passa tempo e a bela não se consola
Já somos um regimento como esses que vão para a Angola
Fazemos apostas lindas sempre que vem cara nova
Cálculos, medidas infindas, como ela terá a cova!
Há quem diga que por si já não lhe tocou o fundo
Outros juram que era assim do tamanho deste mundo
Parecia uma piscina!-diz um do lado, espantado-
Nunca vi uma menina num estado tão desgraçado
(Aparte do autor, antigo militante das esquerdas baixas)
Num estado tão desgraçado, parece-me ouvir o povo
Chorando seu triste fado nas garras do Estado Novo
O ultimo que cegou cá morreu que nem um patego
Afogado e era mar nos abismos daquele pego

O coro dos cornudos acompanhado por S. Pedro em surdina,
Entoa a moralidade, após ter limpado as últimas lagrimetas
E suspirado como só os cornudos sabem: (ahh!)

Mulher não queiras sabida
Nem com vício desusado
Que podes perder a vida
Na estafa de dar ao rabo
Escolhe donzela discreta
Com os três no seu lugar
Examina-lhe bem a greta
Não te vá ela enganar
E depois de lhe veres o bicho
E as mamadeiras que tem
A funcionar a capricho
Já sabes se te convém
Mulher calma, é estimá-la
Como a santa no altar
Cabra doida, é rifá-la
Que não venhas cá parar
Este conselho te dão
E não te levam dinheiro
Os cornudos que aqui estão
Com São Pedro hospitaleiro
Invejosos, quase todos
Dos cornos que o mundo guarda
Fazem mais um bocado de lamentação

(Nota do autor- quase, porque, entretanto alguns brincavam uns com os outros. Rabolices...

Mas se fornicas a rodos tua vida aqui não tarda
Recomeça a moralidade, estilo 'estão verdes, não prestam'
Alguns bêbedos, cornudos despeitados ou amargurados,
Vozes pastosas (deve ler-se vinho...velhinho)
Melhor que a mulher é o vinho
Que faz esquecer a mulher
Que faz do amor já velhinho
Ressurgir de novo o prazer
Final e muito católico
Assim termina o lamento
Pois recordar é sofrer
A mãe fode
É bom sustento
E por nós reza o pater

Luiz Pacheco 
(num dia em que se achou mais pachorrento)

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